segunda-feira, 10 de abril de 2017

Escândalo em Paris (A Scandal in Paris) 1946

Embora se trate um argumento original, Escândalo em Paris baseia-se livremente nas memórias de François- Eugène Vidocq, um homem com um percurso extraordinário do período do bonapartismo. É um Sirk vintage, embora muito diferente dos melodramas que o tornaram famoso na década seguinte. 
Filmado num preto e branco impecável, a característica principal de Escândalo em Paris é que se trata de uma comédia. Claro que há substanciais diferenças relativamente aos seus filmes mais famosos, mas há igualmente importantes linhas de continuidade que não devem ser menosprezadas. Em primeiro lugar, a capacidade de escrever ou encontrar argumentos escorreitos e elegantes; a extrema atenção a todos os pormenores, numa reconstituição histórica sem falhas: um trabalho de direcção de actores muito bom; e, finalmente, é que os filmes de Sirk nunca são tão inocentes como à partida podem parecer. Nesta comédia que evoca o boulevard francês, embora seja falada em inglês e inserida na sua produção de Hollywood, a ligeireza do tema, as reviravoltas das personagens, o tom bem humorado da narrativa na primeira pessoa, não pode ofuscar que há um ladrão que usa nomes falsos e que para poder melhor dar o seu golpe final, se transforma em inspector da polícia. Das masmorras onde o filme começa, transforma-se num cidadão incorrupto, acima de qualquer suspeita. Esta ascensão meteórica revela de uma forma corrosiva e satírica a vulnerabilidade da polícia, que acolhe no seu seio, um dos mais procurados ladrões. Ridiculariza a ineficiência da polícia, enquanto que elogia a habilidade dos ladrões. Basta ter astúcia e ser eloquente. E embora a localização precisa nos reenvie para o final do século XVIII, seguramente as generalizações para outras épocas e lugares, não só são possíveis, como totalmente legítimas. Provavelmente um Sirk posterior não teria redimido a personagem central, levando-o ao arrependimento. Prosseguiria a farsa até ao final. Mas isto é pura especulação. E depois há George Sanders, um actor que nem sempre conseguiu ter papéis adequados ao seu grande talento, que aqui tem um dos seus melhores desempenhos, enquanto sedutor irresistível, de ar cândido e voz doce, como se fosse uma espécies de Casanova. Há música de Hans Eisler (que colaborou com Fritz Lang e Brecht, por exemplo) e também uma subtil paródia a Marlene Dietrich na cena do cabaré. 
Esta comédia tem um toque de malícia que remete de forma directa para o seu compatriota Ernst Lubitsch. Para alguns poderá não ser (e não é) uma das obras primas que Sirk assinou, sobretudo na década seguinte, mas é um dos filmes favoritos do próprio realizador. Resgata igualmente a sua primeira fase nos Estados Unidos, geralmente menos conhecida do que os seus grandes clássicos dos anos cinquenta e que normalmente é considerada como menor. É evidente que nenhum «sirkiano» o vai querer perder.
*Texto de Jorge Saraiva.

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