segunda-feira, 18 de setembro de 2017

O Espião Negro (The Spy in Black) 1939

The Spy in Back é um filme histórico pelo facto de ser a primeira colaboração entre Michael Powell e Emeric Pressburger, através do conhecimento mútuo que lhes foi proporcionado pelo produtor Alexander Korda. Nesta altura, Powell que já tinha obtido algum reconhecimento por The Edge of the World é o realizador, enquanto Pressburger é o responsável pelo argumento. 
The Spy in Black inaugura os filmes cuja temática é a guerra a que voltariam sucessivamente nos anos seguintes. Desta vez é a primeira guerra, já que o ano da acção se passa em 1917. Trata-se de um filme de espionagem, um thriller complexo, onde a partir do argumento, se desenvolve um jogo de aparências, ao mesmo tempo que se enfatiza a utilização dos submarinos como instrumentos de guerra. Essas aparências resultam, em grande parte, das falsas identidades que as diversas personagens assumem, quer aparecendo disfarçadas, quer fazendo-se passar por outras pessoas. Mais do que um filme de guerra puro e duro (aliás a acção militar naval acontece apenas no final do filme), The Spy in Black transporta-nos, através de um argumento engenhoso para uma constante busca da identificação real das personagens, provocando sucessivas reviravoltas, um pouco ao estilo que Hitchcock tão bem popularizaria. Mais interessante ainda, é que a personagem principal é representada pelo excelente Conrad Veidt, um dos mais populares actores do cinema mudo alemão (e também do início do sonoro), mas que, pelo facto de a sua mulher ser judia, acabou por se exilar em Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos. Um dos aspectos mais peculiares é que não vai haver aqui a carga maniqueísta dos filmes posteriores, normalmente relacionados com a segunda guerra mundial. Neste conflito há claramente uma disputa ideológica, entre o nazismo e o fascismo e o anti-nazismo e anti-fascismo. Na primeira guerra o conflito é sobretudo de interesses económicos e territoriais sem a carga ideológica que o conflito posterior apresentou. Ora, Powell e Pressburger reflectem essa situação de forma admirável. Não se trata de um filme amoral ou neutro, mas o inimigo nunca é tratado da mesma forma que em filmes posteriores como The Invaders ou One Aircraft Is Missing. Embora sejam ludibriados no final e em grande parte de forma fortuita, com um final irónico onde os alemães se atacam a si próprios, estes nunca chegam a ser considerados como verdadeiros malfeitores. Lutam pelos interesses do seu país da mesma forma que os ingleses defendem o campo oposto. Aliás, não é por acaso, que as estratégias utilizadas por alemães e ingleses são muito semelhantes e normalmente implicam o uso de espiões. Retirar a carga política ao filme é, na minha opinião, o maior mérito do filme. De resto, estão aqui presentes todos os méritos dos filmes de Powell e Pressburger: um grande cuidado com todo o enquadramento histórico, uma realização virtuosa, mas sóbria, um excelente trabalho de direcção de actores e um especial cuidado com a própria credibilidade da acção. Tal como em filmes posteriores, os alemães falam alemão entre si e só mudam para inglês, quando precisam de comunicar com britânicos. 
As reacções a Spy in the Black foram, na generalidade, muito favoráveis, logo na altura em que o filme começou a correr nas salas. Quase 80 anos depois, ainda se vê com muito agrado. Não é, na minha opinião, uma obra prima absoluta, ao nível do que fizeram noutros filmes. Mas essa constatação, mais do que desvalorizar o filme, apenas reforça a qualidade imensa do conjunto da sua obra. 
* Texto de Jorge Saraiva

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